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O que são contratos inteligentes ou smart contracts?

Quais são suas principais repercussões para a regulação jurídica?

O que são contratos inteligentes ou smart contracts? Embora não seja fácil a referida conceituação, a ideia de contrato inteligente está associada à possibilidade de traduzir comportamentos em códigos, de forma que serão softwares que gerenciarão a performance contratual.

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Observa-se, portanto, que o fenômeno está ligado intrinsecamente à possibilidade de conversão da linguagem natural na linguagem computacional, já que, no caso do contrato inteligente, o contrato é um programa de computador. Para que isso possa ocorrer, é necessário que as obrigações contratuais sejam traduzidas em um código binário (se “a”, então “b”).

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Também há forte relação entre os contratos inteligentes e a blockchain pois, ainda que alguns entendam que os primeiros não precisam da segunda para funcionar, foram as características e funcionalidades desta última – especialmente a imutabilidade e a distribuição digital de conteúdos entre vários usuários – que possibilitaram o crescimento desse tipo de contrato. Tal processo floresceu especialmente a partir de 2015, com a criação da Ethereum.

A partir daí, desenharam-se as características dos contratos inteligentes, dentre as quais (i) a sua natureza eletrônica, (ii) a sua implementação por meio de softwares, (iii) as suas pretensões de certeza e previsibilidade, (iv) a pretensão de autonomia quanto ao seu cumprimento (autoexecutabilidade) e (v) a autonomia quanto ao seu conteúdo, o que lhes permitiria inclusive desconhecer ou mesmo violar diretamente as regras jurídicas.

Como se pode observar, apesar das relevantes funcionalidades, os contratos inteligentes apresentam diversos desafios para a regulação jurídica, a começar pelas controvérsias sobre a sua natureza, especialmente quando se trata de arranjos estabelecidos entre máquinas ou
organizações autônomas descentralizadas. Por mais que o direito brasileiro acolha o princípio do consensualismo, do qual decorre a irrelevância da forma para a validade do contrato, algumas das modalidades de contratos inteligentes desafiam precisamente a ideia de consenso ou de vontade das partes, tanto na celebração, como na execução dos comportamentos.

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Por outro lado, mesmo que superada a discussão sobre a existência e a validade do contrato, indaga-se sobre o papel e o alcance da regulação jurídica, uma vez que, nos contratos inteligentes, a tecnologia torna-se a principal – quando não a única – forma de regulação. Por fim, ainda que se entenda cabível a incidência da regulação jurídica, indaga-se sobre a adequação da regulação atualmente existente para essa nova realidade.

Em alguns casos, os contratos inteligentes não se diferenciam tanto dos contratos tradicionais, especialmente quando as partes precisam negociar até chegar ao acordo que será convertido posteriormente em código. A diferença é que, depois da conversão, o enforcement das obrigações passa a ser o código autônomo. Por outro lado, pode ser traduzida para o código apenas parte do contrato, mantendo-se outras cláusulas e obrigações em linguagem natural. Entretanto, como já se antecipou, os contratos inteligentes também podem ser celebrados de forma totalmente automatizada, mediante a utilização de inteligência artificial, com todos os desafios daí decorrentes.

De toda sorte, qualquer que seja a forma pela qual o contrato inteligente seja constituído, é inequívoco que se propõe a oferecer uma série de vantagens, dentre as quais (i) certeza, (ii) autonomia, (iii) redução de custos de transação, (iv) segurança e (v) adaptabilidade para novos negócios. Com efeito, tais contratos propõem-se a resolver o chamado “problema da confiança” e dos custos de monitoramento da inexecução contratual, bem como o problema da necessidade de um terceiro para registro ou execução.

Na verdade, o que acontece é que o “problema da confiança” é transferido para a blockchain, que precisa ter credibilidade suficiente para incentivar a sua utilização pelas partes, que precisam se assegurar que, ao embutirem suas intenções nos códigos, estes serão executados de forma autônoma e sem possibilidade de interrupção.

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Dessa maneira, as partes precisam ao menos acreditar que o código irá memorizar, de forma acurada, o seu intento e que os nós responsáveis pela manutenção do network da blockchain irão executar o código contratual. Por essa razão, riscos de erros e mesmo de ataques cibernéticos podem comprometer o potencial de utilização desses contratos.

Além das preocupações com segurança, os contratos inteligentes também apresentam outras fragilidades, dentre as quais (i) as dificuldades para lidar com erros do código, (ii) a ausência de flexibilidade e (iii) os riscos à confidencialidade, já que a pseudonimização pode ser revertida. Acresce que não se sabe em que medida vários dos seus aspectos podem ser questionados no Poder Judiciário quando for possível a identificação das partes.

Ainda há a questão de se saber como endereçar a questão da ausência de flexibilidade, que é, ao mesmo tempo, um ponto forte e um ponto fraco dos contratos inteligentes. Tal característica poderia revelar inclusive a maior vocação dos contratos inteligentes para operacionalizar contratos de troca com maior pretensão de segurança e previsibilidade.

Já em contratos híbridos e associativos, que envolvem um dever de cooperação que se prolonga no tempo, sendo muitas vezes incompletos exatamente pela impossibilidade de prever o futuro, é necessária a adoção de soluções de governança para assegurar a adaptabilidade e a flexibilidade, possibilitando que as partes mantenham e ajustem os termos de sua cooperação mesmo diante do novo ou do inesperado. Nesse contexto, é difícil imaginar como tais contratos poderiam ser traduzidos em códigos binários, sem qualquer abertura para adaptações futuras e especialmente para a incorporação de soluções de governança.

Logo, a rigidez dos contratos inteligentes suscita uma série de questionamentos, dentre os quais:

(i) Como utilizar tais contratos quando a vagueza e a abertura das claúsulas ou mesmo a incompletude do contrato representarem uma questão de necessidade ou de eficiência?
(ii) Como resolver os problemas das contingências não previstas pelas  partes?
(iii) Como contornar eventuais vícios, erros ou lacunas?
(iv) Como traduzir para o código questões que envolvam julgamentos subjetivos e interpretações? É possível resolver tudo isso na fase ex ante?
(v) Como lidar com o novo, incluindo aí atualizações legislativas? Veja-se que a regulação jurídica dos contratos, mesmo no contexto liberal do século XIX, sempre foi tarefa complexa e sofisticada, contendo diversas previsões sobre (i) limitações quanto ao objeto dos contratos
(ii) reconhecimento dos vícios de vontade e dos vícios sociais,
(iii) hipóteses de nulidades e anulabilidades,
(iv) diversos contratos típicos que facilitam o trânsito negocial, (v) regras cogentes, (vi) regras supletivas para compensar as omissões e lacunas das partes, (vii) regras procedimentais para a validade da contratação e (viii) regras de interpretação e integração dos contratos.

Portanto, a experiência prática mostra que a liberdade de contratar nunca ocorreu propriamente em um vazio regulatório, sem qualquer respaldo por parte do direito. Acresce que, com os crescentes estudos mostrando as limitações da racionalidade humana, os problemas de assimetria informacional e as dificuldades que as partes têm para prever comportamentos e circunstâncias no longo prazo, é improvável que contratantes tenham adequadas condições de traduzir para um programa de computador todas as regras que devem reger seus comportamentos, especialmente quando estes se referem a arranjos complexos e que se projetam no tempo.

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Não é sem razão que hoje são utilizados mecanismos para romper com essa rigidez dos contratos inteligentes, possibilitando uma abertura destes. É esta precisamente a função dos oráculos, que são indivíduos ou programas que guardam e transmitem informações do mundo externo, a fim de prover meios para que a blockchain interaja com pessoas reais e possa reagir a eventos externos. Outra alternativa de que hoje se cogita é a conexão de
contratos inteligentes com painéis arbitrais. Se não há dúvidas de que tais soluções podem assegurar alguma adaptabilidade aos contratos inteligentes, também não há dúvidas de que podem comprometer as suas pretensões de objetividade, segurança e certeza.

Por fim, ainda há que se mencionar que a regulação jurídica dos contratos inteligentes envolve também uma série de questões de interesse social, traduzidas em normas de ordem pública, de observância obrigatória para todos os contratos. Surge daí a importante questão de saber em que medida a tecnologia blockchain pode ser utilizada para reforçar ou para burlar ou neutralizar o direito.

Diante desse cenário, conclui-se no sentido de que, além da necessária reflexão sobre as potencialidades e os riscos dos contratos inteligentes, há que se indagar sobre em que medida a regulação jurídica atualmente existente precisa ser adaptada para fazer frente a essas novas realidades. Mais do que isso, há que se refletir sobre como podem e devem ser as relações entre direito e tecnologia.

ANA FRAZÃO – Sócia do G

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