Legitimidade e Eficácia: Erros Comuns do Direito Penal

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Legitimidade e Eficácia: Erros Comuns do Direito Penal

Legitimidade e eficácia: erros comuns do Direito Penal

Sempre que nos propomos a estudar uma norma, nos sujeitamos a estudar a sua estrutura normativa. Uma norma legal possui muitos elementos constitutivos: eficácia, vigência, legitimidade, etc. Todos os elementos constitutivos da existência de uma norma devem ser estudados separadamente, a fim de promover a melhor metodologia epistêmica e evitar equívocos.

Contudo, eventualmente erros acontecem. Seja por descuido acidental e pontual, seja pela simples má técnica no manejo do direito, erros acontecem. Não raro, cometidos pelos maiores nomes do direito. Isso aconteceu, por exemplo, com o Günther Jakobs, cânone do direito penal e idealizador da teoria mundialmente conhecida como ‘direito penal do inimigo’.

Jakobs inicia os trabalhos da sua obra ‘derecho penal del enemigo’ fazendo a seguinte afirmação:

Quando um esquema normativo, por mais justificado que seja, não direciona o comportamento das pessoas, carece de realidade social. cito um exemplo: muito antes das chamadas liberações das distintas regulações a respeito do aborto, estas rígidas proibições já não eram verdadeiro direito. (e isso independentemente do que se pensa sobre sua possível justificativa).’’

O jusfilósofo segue o pensamento e conclui que uma norma que não possua amparo social, isto é, não se adeque a vontade ou respeito popular, passa a não ser mais direito no sentido clássico da palavra. Segundo Jakobs, uma norma em descompasso com a sociedade ‘não é verdadeiro direito’, pois ‘carecem de realidade social’.

Percebam que quando o Jakobs trabalha o problema das normas não recepcionadas pelo povo, ele está trabalhando um tema demasiado profundo. Um debate que transcende (e muito) o mero espaço jurídico. O debate sobre a autoridade das leis e do Estado é um debate meta-jurídico.

Embora a conclusão pareça bastante intuitiva, cabe considerações pontuais do ponto de vista analítico de tal conclusão. Podemos começar a análise pelo fato de que, dentre muitos problemas do ponto de vista metodológico, um parece ser mais destacado: a legitimidade de uma norma é irredutível à sua eficácia.

Ora, o que entende-se por legitimidade é que legitimidade é o atributo daquilo que está de acordo com um sistema objetivo normativo universal. É completamente impossível que uma norma formalmente adequada seja escrita em descompasso com a “realidade social”, já que isso diz respeito, aliás, ao elemento MATERIAL da norma no nível de análise sendo empregado aqui. A propósito, a norma continuará sendo legítima mesmo se todo o povo deliberadamente a desrespeite.

A constituição brasileira, por exemplo, é legítima e formalmente adequada em seu núcleo constitutivo de acordo com os parâmetros de legitimidade que são metafisicamente apodíticos. Os vários outros vícios da Constituição Federal nada tem a ver com a sua essência enquanto Constituição. Negar isso implica incorrer em uma problemática tendência psicologista no que diz respeito à sua legitimidade.

A concretude social jamais poderá servir de parâmetro para determinar a legitimidade de uma constituição ou de qualquer norma que seja levada à análise. Negar isso leva aos mais sérios erros relativistas, sociologistas, psicologistas, empiristas e naturalistas.

Vale lembrar que a eficácia é uma função da crença subjetiva (pleonasmo enfático) das pessoas no dever de segui-la. A crença subjetiva das pessoas em nada afeta a legitimidade de uma constituição ou de uma norma qualquer, do mesmo modo que se uma comunidade de pessoas acredita que somando 2 + 2, o resultado deve ser 5 não afeta a validade de que 2 + 2 é 4. Este exercício funciona para qualquer outro enunciado de uma ciência normativa. Acreditar no contrário é cair nas mais velhas e pueris falácias psicologistas.

Contudo, vale esclarecer (e lembrar, claro) que nenhum jurista negaria que a realidade social é importante. Ela é. No entanto, a realidade social é o mero produto da interação entre entes racionais cuja estrutura cognitiva formal, que é objetiva e universal, se reflete na linguagem e nas práticas simbólicas e normativas. Todas as constituições (ou toda norma) formalmente adequada será necessariamente aplicável a toda espécie de sociedade composta por entes racionais.

A eficácia não afeta de modo algum a legitimidade de uma constituição, ou melhor, a legitimidade é irredutível à mera eficácia de uma norma. Do mesmo modo que a prática científica em nada afeta as condições de verdade de enunciados meta-científicos. Legitimidade é um conceito irredutivelmente normativo. Nada empírico (como a eficácia) pode afetá-la.

Disso podemos concluir – e satisfatoriamente responder – a todos aqueles que debatem a eficácia de determinada norma do ponto de vista da sua eficácia. No que diz respeito à legitimidade, pouco importa para o jurista se a norma é ou não é respeitada, se ela possui ou não possui eficácia.

Por fim, uso o mesmo exemplo dado pelo Günther Jakobs. Ainda que a lei do aborto seja desrespeitada, violada e ignorada pela sociedade, ela permanece legítima do ponto de vista da sua estrutura normativa. Assim como David Hume nos deixou uma barreira inferencial provando pela lógica que não se pode inferir qualquer conclusão prática (normativa) de premissa puramente teóricas (factuais), da mesma forma aqui está provado que por conclusões empíricas, não se pode nulificar a legitimidade de uma norma.

 

Via: canalcienciascriminais

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